A UnB e seu triste conservadorismo

Jorge Antunes
Pesquisador Sênior da UnB

 

Alguns membros da comunidade universitária da UnB, preocupados com as eleições para Reitor que deverão acontecer em 2012, começam a se articular. Um pequeno grupo acaba de fazer uma chamada para uma reunião, cuja pauta é o pleito do ano que vem.Mas fiquei perplexo com a consigna que foi adicionada à chamada: a reunião é convocada para empreendimento de uma luta “pela manutenção do voto paritário”.

A Universidade de Brasília não deu um passo à frente, ao aprovar a paridade nas eleições para Reitor de 2008. Ela apenas desfez o passo dado para trás quando, em 1996, FHC assinou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essa LDB, que continua em vigor, confirma, em seu artigo 56, o princípio da gestão democrática nas instituições públicas de educação superior, tal como em todas as reformas do tempo da ditadura militar.

O problema é que “gestão democrática” é expressão que adquire diferentes acepções, conforme a arrogância do usurpador de plantão. A reforma de FHC estabeleceu que, na tal gestão democrática, os docentes ocupam setenta por cento dos assentos no colégio eleitoral de escolha de dirigentes. Assim, nas eleições para Reitor, os outros trinta por cento ficam divididos entre os segmentos que formam a maioria da comunidade universitária: alunos e funcionários.

Na medida em que a UnB, para indicação do nome do reitor, adota a paridade na consulta à comunidade universitária, ela passa a integrar o já grande conjunto de Universidades que desafiam a lei, com a convicção acerca da ilegitimidade e da obsolescência da LDB.

A lei em vigor é mais elitista e discriminatória que a dos tempos dos generais. A Reforma do Ensino, assinada por Costa e Silva e Tarso Dutra um mês antes do AI 5, era mais benévola com o corpo discente. O artigo 38 da Lei de 28 de novembro de 1968 dava à representação estudantil o direito de ocupar um quinto do poder decisório. Trocando em miúdos, enquanto no governo Costa e Silva os estudantes detinham 20% de participação nas decisões, no governo FHC passaram a ter apenas 15% de participação.

A verdadeira gestão democrática da Universidade só terá lugar a partir do momento em que seus dirigentes forem escolhidos pela comunidade universitária através do sufrágio universal direto, e quando os três segmentos – estudantes, funcionários e professores – tiverem participação paritária nas representações e nas decisões. Isso significaria uma percentagem de 33,33% para cada segmento, em cada colegiado.

Esse é o único critério que se harmoniza com a designação “universidade”, que nos remete à dimensão de totalidade e de conjunto. O conceito original de Universitas é o de congregação de todos os entes que compõem o “universo”. Universidade que se pretende universalidade, tem que estar paritariamente distribuída no que se refere à responsabilidade e à construção. A Universidade brasileira precisa buscar nova etapa em sua história, que recupere o ideal do coletivo. A universitas magistrorum et scholarium da tradição parisiense deve dar lugar a um novo modelo em que alunos, docentes e corpo administrativo, com poderes paritários, norteiem novos caminhos que rompam com o corporativismo continuista.

Enfim, o modelo brasileiro de Universidade deve ser urgentemente colocado na pauta de discussões. A nova Universidade a ser reinventada tem que deixar de ser um mero conjunto de edificações ou um círculo de saberes, para se tornar uma congregação de pessoas. Para que a Universidade contribua com o fim do sistema social de apartação é preciso que ela, antes, extirpe as desigualdades de seu interior.

A comunidade universitária, de que falam todas as leis atinentes à educação, é formada de estudantes, professores e funcionários. O Reitor eleito em 2008 alardeou, em sua campanha eleitoral, que trataria, assim que empossado, de organizar um Congresso Estatuinte. Alimentava assim a esperança que a comunidade tinha em conseguir um espaço para elaborar e construir uma verdadeira reforma estrutural na Universidade.

Mas, faltando apenas um ano para a gestão de quatro anos do Reitor, a comunidade se frustra constatando que a Constituinte é uma ficção tendo sido mera propaganda enganosa da administração vitoriosa em 2008.

Assim, não aconteceu o prometido processo de mudanças. Só com o protagonismo democrático dos três segmentos, poderiam ficar assegurados os respeitos mútuos e as responsabilidades que dariam lugar à consecução dos objetivos da educação, da pesquisa, do ensino e da extensão em toda plenitude: respeito à liberdade, apreço à tolerância, exercício da solidariedade humana, pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania, sua qualificação para o trabalho e formação de sua inquietação crítica e especulativa. Só a verdadeira democratização da Universidade, forjando novas gerações de líderes e formadores de opinião, poderia garantir boas transformações para a sociedade brasileira futura. O voto universal para Reitor seria o primeiro passo para a nova distribuição de responsabilidades que oxigenaria o templo do saber, servindo de exemplo para todas as outras instituições onde apenas uma classe, ou um grupo, detém o poder eterno de modo exclusivista, autoritário, continuista e, muitas vezes, privatista.