O Brasil pode orquestrar o mundo?
Jorge Antunes, 62,
maestro e compositor, é professor titular da UnB – antunes@unb.br
Enquanto isso, o Brasil tenta se impor no cenário internacional, reiterando a velha reivindicação do governo anterior: assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Um país sem orquestras quer orquestrar o mundo no concerto das nações.
O Brasil tenta se impor no cenário internacional. Um país sem orquestras quer orquestrar o mundo no concerto das nações Pois imagine o caro leitor o Brasil com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Imaginou? Bem, agora imagine o representante brasileiro, sentadinho na reunião, folheando a nova edição afegã de um livro do Paulo Coelho, ladeado pelos representantes do Reino Unido e da França.
Conversa vai, conversa vem, o inglês pergunta ao brasileiro: “Quantos livros vocês publicar para cada um milhão de habitantes?”. “Quatorze!”, responde o brasileiro.
O inglês, meio aturdido, diz: “Que coisa, né? Nós publicamos 164 títulos”. O francês, palrador, se mete na conversa: “Nós publicamos 78 títulos”.
O francês quer saber um pouco mais: “E na universidade, qual a taxa de matrícula?”. Mais uma vez constrangido, responde o brasileiro: “Hum… Uns 10%!”. O francês, com inflexão descendente, exclama: “”C’est pas vrai’! Na França, a taxa é de 50%!”. O inglês se espanta: “Em nossas universidades ser pouco menos: 48%”.
O chinês não fica muito tempo calado: “Eu conhecer cultura brasilera! Em 74, o presidente Geisel, em intercâmbio cultural de reaproximação, enviou-nos a dupla Chitãozinho e Xororó. Muito bonito!”. O russo, coradinho e risonho, interrompe e comenta o frenesi com que FHC, em sua visita a Moscou em 2002, bateu palmas na apresentação de obra de Tchaikovski no Bolchoi. Pergunta então: “Além de Tchaikovski, de quem mais ele gosta?”. “Caetano”, obtempera o brasileiro. O chinês se mete mais uma vez: “E esse novo presidente Lula, que reconhece nossa moderna economia de mercado, de que que ele gostar?”. O representante brasileiro na ONU, então, matuta, matuta e, de mão no queixo, simplesmente emite um longo “huuummmmm…”. Não! Não dá! Como é possível pretender palpitar nos destinos do mundo, ao lado daquelas potências, um país como este em que, em vez de injetar vultosos recursos na educação e na cultura, em vez de dar apoio à criação e à continuidade de orquestras sinfônicas, extinguem orquestras sem o menor escrúpulo?
O quadro é amedrontador. O discurso inicial do governo federal tentava nos convencer de que tudo se devia à “herança maldita” dos governos anteriores.
Os governos anteriores se fazem presentes no Estado de São Paulo, que fecha uma das melhores orquestras sinfônicas do país. Hoje, vemos que tudo é farinha do mesmo saco e que o absurdo já desponta como o mais coerente: uma aliança futura entre o PT social-democrata e o PSDB idem.
O Ministério da Cultura nos envergonha, no mundo, com ações discriminatórias para com a nova música brasileira. Apesar das pressões do governo francês para que o “Année du Brésil en France” se enriqueça com a nossa música contemporânea, o Ministério da Cultura insiste no projeto de levar a Paris apenas instalações duchampianas alienantes, passistas com porta-bundeiras (sic), música popular e filmes da linha novela-cine-chacina.
A universidade pública brasileira tem se revelado, durante os últimos 25 anos, como o grande manancial da música nova. Mas essa trincheira está ameaçada. A reforma universitária determinará o sepultamento da música erudita. Sob o comando do FMI e do Banco Mundial, quer-se implantar a “universidade de serviços”. Um departamento de música, para sobreviver sem verbas da União, terá que acabar com a pesquisa musicológica, fechar seu laboratório de música acusmática, abandonar a formação de sinfonistas e regentes para abrir cursos de hip hop, implantar bacharelados em DJ e empresariar shows de música popular.
O governo Lula, dando continuidade à política de FHC, faz opção pela humilhante submissão ao FMI e ao governo Bush. Sua política externa, que no início aparentava ser progressista, hoje se revela como uma linha auxiliar do imperialismo norte-americano. Os mesmos dirigentes que dizem não existirem recursos para financiar a educação superior ou para manter e apoiar orquestras são capazes de enviar tropas de ocupação para o Haiti e de pagar dívida de milhões de reais à ONU para tentar comprar um lugar no seu Conselho de Segurança.
O verbo orquestrar, no politiquês, é hoje sinônimo de urdir, tramar, maquinar. A todo momento políticos brasileiros usurpam a expressão musical para atacarem adversários em seus discursos, dizendo que tal ou qual manobra foi “orquestrada” por fulano ou beltrano. Deixo aqui meu apelo para que, pelo menos em respeito à sobrevivência da matriz metafórico-etimológica, nossos políticos envidem esforços para ressuscitar a Sinfonia Cultura e para destinar recursos públicos a antigas e novas orquestras.