O financiamento das Universidades e a tramóia dos privatistas
Jorge Antunes
Professor titular da Universidade de Brasília
O projeto foi elaborado pela OAB-SP, pelas Faculdades Integradas Rio Branco e pela Fundação Arcadas. Segundo as notícias, a proposta já está em mãos do Ministro da Educação.
Fica difícil decifrar o que está por trás das articulações dessas instituições. Aos desavisados a proposta soará como idéia brilhante que salvaria a pesquisa e o ensino superior do Brasil. Aos conhecedores das motivações escusas da política cultural vigente, fica a dúvida: a trama pode estar envolta em ingenuidade de boa fé, mas pode também ser fruto de estratégias voltadas à privatização total e definitiva do ensino superior, cada vez mais tratado como mercadoria.
A proposta seguiria o mesmo princípio da Lei Rouanet, que já garante isenção de tributos para empresários que destinam seus impostos a atividades culturais e esportivas. É bem verdade que o incentivo permitiu que produtores captassem cerca de US$ 900 milhões em renúncias fiscais em 2008. Mas é preciso que se esclareça, em minúcias – o que nunca é feito –, quais projetos foram escolhidos pelos empresários aparentemente bonzinhos.
Aqui está o primeiro esclarecimento a ser feito: cabe ao empresário patrocinador, e a mais ninguém, escolher o projeto ao qual se destinarão os recursos. Em outras palavras, o dinheiro público que resultaria do pagamento de impostos pelo empresário, é por este destinado a uma atividade cultural de sua escolha, ficando ele isento de recolher o tributo aos cofres públicos.
A Lei do Mecenato tem se revelado verdadeira privatização do apoio à Cultura. Esse apoio, que constitucionalmente é dever do Estado, é passado às mãos do empresário.
O governo resolve praticar a “renúncia fiscal”. Que vem a ser isso? Praticamente, o governo demonstra não confiar em si mesmo, porque ao renunciar ao imposto, ele está, no fundo, dizendo ao empresário: “— Não vou arrecadar seu tributo. Fique com a grana, porque se você me a entregar vou gastá-la em bobagens, não a aplicando em cultura. Vários níveis de meus escalões poderão até mesmo embolsá-la. Portanto, aplique você mesmo em cultura, diretamente, porque eu não confio em mim!”
Ao empresário interessa apoiar projetos cujo retorno de mídia seja imediato. Nas mesas dos diretores de marketing das empresas, repousam projetos enviados pelos mais diversos artistas e produtores culturais: um projeto de montagem de ópera, um projeto de escritor famoso, outro de um escritor desconhecido, o de um artista global, outro de um artista vanguardista e desconhecido. Qual projeto será escolhido pela empresa que quer despejar seus impostos em evento de repercussão midiática grande e certa? Evidentemente a escolha não cairá no projeto do artista inovador que ainda tem pequeno público.
O ensino superior público, cujo financiamento é dever do Estado, fica portanto ameaçado pela esperta proposta da OAB e dos mercadores da Educação: a adoção da Lei de Incentivos Fiscais para doações às Universidades, permitiria ao empresário escolher a Universidade em que os tributos seriam despejados. Consequentemente, o empresário destinaria seus impostos devidos à Universidade cujas pesquisas ou cursos estejam voltados aos seus interesses, de modo a que o produto comercial ou industrial dele ganhe visibilidade e propaganda gratuita.
Uma fábrica de cosméticos, por exemplo, nunca injetará seus impostos em uma Faculdade de Filosofia ou de Música. Ela escolherá a Universidade que tem Cursos de Moda e afins. Empresas que dependem de pesquisas científicas para aprimoramento de seus produtos, certamente comprarão, com seus impostos – dinheiro público –, pesquisas voltadas a seus interesses. O dirigismo científico passaria a ser praticado pela indústria, impondo linhas de pesquisa às Universidades candidatas ao apoio financeiro. Seriam sempre alijadas as Universidades dedicadas à pesquisa pura, cujos resultados não tenham aplicação imediata.
O Estado será sempre o único a poder agir sem interesses imediatistas. Apenas o poder público, e nunca o poder privado, poderá ter o vislumbre magnânimo que resulta em investimentos de risco para possíveis – e não assegurados – retornos imateriais no futuro longínquo.