Willy serve à mediocridade  –  2

Folha de S. Paulo
Domingo, 17 de junho de 1984  –  ILUSTRADA  –  8º caderno   –   página 65

 

Jorge Antunes

 

O compositor brasileiro, hoje um burguês privilegiado e esclarecido, há de ser o libertário que sonha com a extinção do Estado opressor, com a morte da autoridade e da lei, com o fim do militarismo truculento e desagregador, com a substituição da democracia representativa pela democracia participatória e que portanto tenha condição de, sem abandonar seu “status” social, proletarizar sua consciência e sua ação. Mas não há de ser, ele, um sonhador, um idealista utopista. Deverá ser ele um pragmático com uma estratégia de vida útil, consciência de que antes de se extinguir o Estado é necessário passar-se pelo estágio de um Estado socialista, eem ditaduras, nem mesmo do proletariado. Mas deve ter consciência de que antes de se atingir o Estado socialista é preciso que o povo escolha seu Presidente através de eleições diretas já, mesmo que seja para um mandato transição de 2 anos, e que tudo o que ele, compositor de hoje, produzir, deve estar voltado para essa longa estrada.

A música que usa centros tonais, hoje moda, deve ser entendida como o avanço lógico, pois ela nada tem de demagogia ou retrocesso. As buscas atuais, por mim preconizadas, dos centros tonais, têm a ver com a busca libertária da ordem natural e da liberdade total com solidariedade total. As proibições de Schoenberg tiraram, da música, o humano, o natural, a própria essência da música.

O uso sistemático da quinta justa, da oitava justa e dos acordes perfeitos nada mais é do que a obediência às únicas leis que devem ser obedecidas: as leis naturais, as leis da série harmônica, as leis de Fourier.

A comunidade de compositores brasileiros é muito pequena. Para que ela avance e colabore no avanço geral, é necessário o surgimento dos agitadors defendidos por Oscar Wilde. Com as adaptações correspondentes, afirmo que o General Newton Cruz tem razão quando fala dos agitadores: somos uns intrometidos que nos infiltramos, para semear o descontentamento. Só não concordo com o General em um ponto: no meu entender os agitadores são necessários. Sem eles a civilização não avançaria. O movimento abolicionista no Brasil nasceu entre agitadores poetas e dramaturgos, e não na senzada.

Assim, é preciso que, na comunidade estagnada e amorfa da música brasileira, hoje, surjam agitadores nas academias, nas universidades, nas orquestras, nas escolas de música, preconizando a desobediência às leis ditadas por nossos avós e bisavós e pregando o culto aos intervalos justos, maiores, menores, aos acordes perfeitos, ao som novo, à sintaxe nova e aos centros tonais calcados na série harmônica e nas leis naturais. Essas leis exercem sobre a massa uma autoridade que nunca é questionada. Em todas as apresentações públicas de minha “Elegia Violeta para Monsenhor Romero” o público vário, burguês e proletário (“experts” da Sala Cecília Meireles e operários do Sesi de Brasília), curva-se, emociona-se e aplaude de pé.

O triste, neste aspecto de modismo, é a adesão inconsciente de alguns compositores e o ataque de outros, que não se dão conta da verdade ecológica e naturalista da nova corrente estética. Nós, precursores, praticantes e defensores disto que alguns babacas apressados chamam de neotonalismo, nada mais fazemos do que nos aproximarmos do ser humano e da natureza: da série harmônica. Imagine-se a seguinte situação: a guerra atômica total aconteceu. A espécie humana acabou. Mas o vento continua a existir e a pedra também. Uma forte rajada de vento incide sobre o canto vivo, em bizel, de uma pedra. O que acontece?  Acontece a série harmônica: o fundamental, a oitava justa, a quinta justa, a quarta justa, a terça maior, etc.