Diez por ciento del pibe

Jorge Antunes
Maestro, compositor, membro da Academia Brasileira de Música, pesquisador sênior da UnB e do CNPq

 

O poeta argentino Rubén Derlis é autor de um belo poema em que retrata a dor da injustiça social vivida por um garoto que trabalha como flanelinha nos semáforos. O pobre menino está na rua, limpando vidros de automóveis, justo nos momentos em que deveria estar em uma sala de aulas.

O título do poema é “Gorrión de semáforo”. Eis uma das estrofes: A este pibe sin lápiz, / ausente en los recreos, / le condenaron todos los posibles, / menos el de su nada.

Os leitores deste meu texto, mesmo não sendo doutos na língua espanhola, sabem o que quer dizer lápiz e recreos. Mas muitos certamente não sabem o que quer dizer pibe. Essa palavrinha simpática é sinônima de niño, muchacho.

Quando as autodenominadas esquerdas autênticas defendem “dez por cento do PIB” para a Educação, penso imediatamente no pibe abandonado. Lembro-me das centenas de milhares de pibes, espalhados pelo Brasil, que, ao invés de estarem nas escolas, estão nas ruas, nos semáforos, dormindo nas calçadas da noite perigosa.

Mas não são apenas desses meninos e meninas que me lembro. Penso também nos pibes que, mesmo frequentando as salas de aula, às vezes alimentados por merendas de baixo teor nutritivo, irão sair das escolas como analfabetos funcionais.

Por que reivindicar 10% do PIB? Por que não 9%? Por que não 12%? Com a aplicação da décima parte do produto interno bruto na Educação, estaremos resolvendo definitivamente o dramático problema brasileiro de formação das novas gerações?

Todos acham que Educação é item primordial e que o Brasil do futuro só será poderoso se todos tiverem, hoje, acesso à educação de qualidade. Então, por coerência, o poder público deveria investir incondicionalmente em educação. Só um tratamento de choque, radical, através de uma revolução pacífica dentro da legalidade, dará lugar à solução de todos os problemas brasileiros. O acesso universal à educação de qualidade determinaria automaticamente soluções para a violência, para a segurança e para a saúde.

Em 2010 menos de 3% do orçamento geral da União foram destinados à Educação. A luta por 10% do PIB para a educação pública, então, enche os olhos daqueles que têm esperanças nos lutadores sociais. Mas, atentemos para o fato de que não são apenas as esquerdas da oposição que abraçam a campanha. Governistas também estão engajados na campanha reformista.

Eu disse reformista. Isso mesmo. É reformista, e não revolucionária, essa luta que vai culminar com um plebiscito informal e extra-oficial que em breve será organizado. Aliás, parece que não haverá apenas um plebiscito. As autodenominadas e pretensas esquerdas se dividem: anunciam a promoção de dois plebiscitos, com votações concorrentes entre si! Aguardemos para ver qual plebiscito terá mais sucesso.

Atualmente o Brasil destina cerca de 5% do PIB para a educação: 1,2% da União, 2,4% dos estados e 2,2% dos municípios. Portanto, aqueles que reivindicam 10%, parecem acreditar que tudo se resolverá se duplicarmos a verba. Ledo engano! A miséria educacional, escancarada há séculos em nosso país, é gritante. Ela permite que qualquer leigo em história e estatística possa deduzir, após um simples olhar observador para a realidade, que precisamos decuplicar o investimento em educação. Em outras palavras, precisaríamos que, durante uma década pelo menos, 50% do PIB fosse aplicado na educação.

Em 2010 a União destinou 1,96% do orçamento federal para a Defesa, 0,13% para as Relações Exteriores, 0,13% para Urbanismo, 0,10% para a Indústria, 2,74% para a Assistência Social, 2,89% para a Educação e 45% para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Ou seja, o bolo foi dividido com prioridades, pesos e critérios cheios de nebulosidades.

Ação revolucionária para resolver de uma vez por todas o problema educacional, seria aquela que tratasse de lhe destinar, na integralidade, os recursos necessários. Dever-se-ia, inicialmente, dar resposta à seguinte pergunta: quanto é necessário ser reservado, do orçamento geral da União, para que o problema da educação no Brasil possa ser definitivamente resolvido?

Respondida essa pergunta, destinar-se-iam os recursos integrais e necessários ao item Educação, deixando para ser dividido, aí sim, entre os outros itens, o que sobrasse.

As crianças brasileiras –as estatísticas têm mostrado– não têm acesso à educação de qualidade e gratuita, de modo a garantir sua formação em cem por cento de suas necessidades. O pibe, infelizmente, vem sendo atendido apenas em dez por cento de sua formação: apenas diez por ciento del pibe são atendidos, ficando noventa por cento de seu intelecto habitados pela ignorância, a desinformação, o ponto de interrogação e o vazio desafiador da incerteza de vida digna. Esse vazio, muitas vezes, acaba sendo preenchido pelo mal, pela violência, pelo desamor próprio, pela luta fratricida pela sobrevivência.