Willy serve à mediocridade – 2
Folha de S. Paulo
Domingo, 17 de junho de 1984 – ILUSTRADA – 8º caderno – página 65
Jorge Antunes
A música que usa centros tonais, hoje moda, deve ser entendida como o avanço lógico, pois ela nada tem de demagogia ou retrocesso. As buscas atuais, por mim preconizadas, dos centros tonais, têm a ver com a busca libertária da ordem natural e da liberdade total com solidariedade total. As proibições de Schoenberg tiraram, da música, o humano, o natural, a própria essência da música.
O uso sistemático da quinta justa, da oitava justa e dos acordes perfeitos nada mais é do que a obediência às únicas leis que devem ser obedecidas: as leis naturais, as leis da série harmônica, as leis de Fourier.
A comunidade de compositores brasileiros é muito pequena. Para que ela avance e colabore no avanço geral, é necessário o surgimento dos agitadors defendidos por Oscar Wilde. Com as adaptações correspondentes, afirmo que o General Newton Cruz tem razão quando fala dos agitadores: somos uns intrometidos que nos infiltramos, para semear o descontentamento. Só não concordo com o General em um ponto: no meu entender os agitadores são necessários. Sem eles a civilização não avançaria. O movimento abolicionista no Brasil nasceu entre agitadores poetas e dramaturgos, e não na senzada.
Assim, é preciso que, na comunidade estagnada e amorfa da música brasileira, hoje, surjam agitadores nas academias, nas universidades, nas orquestras, nas escolas de música, preconizando a desobediência às leis ditadas por nossos avós e bisavós e pregando o culto aos intervalos justos, maiores, menores, aos acordes perfeitos, ao som novo, à sintaxe nova e aos centros tonais calcados na série harmônica e nas leis naturais. Essas leis exercem sobre a massa uma autoridade que nunca é questionada. Em todas as apresentações públicas de minha “Elegia Violeta para Monsenhor Romero” o público vário, burguês e proletário (“experts” da Sala Cecília Meireles e operários do Sesi de Brasília), curva-se, emociona-se e aplaude de pé.
O triste, neste aspecto de modismo, é a adesão inconsciente de alguns compositores e o ataque de outros, que não se dão conta da verdade ecológica e naturalista da nova corrente estética. Nós, precursores, praticantes e defensores disto que alguns babacas apressados chamam de neotonalismo, nada mais fazemos do que nos aproximarmos do ser humano e da natureza: da série harmônica. Imagine-se a seguinte situação: a guerra atômica total aconteceu. A espécie humana acabou. Mas o vento continua a existir e a pedra também. Uma forte rajada de vento incide sobre o canto vivo, em bizel, de uma pedra. O que acontece? Acontece a série harmônica: o fundamental, a oitava justa, a quinta justa, a quarta justa, a terça maior, etc.