Renúncia?

Jorge Antunes
Maestro, compositor, Pesquisador Sênior da UnB,
membro da Academia Brasileira de Música

 

Observo a todo momento, em comentários na internet e em conversas de pretensos salvadores da pátria, que, para salvar sua imagem, a presidenta Dilma deveria renunciar. Abrir mão voluntariamente de um cargo político, costuma ocorrer quando o mandatário não encontra mais condições de dar continuidade às suas atividades e vê como certa sua deposição ou cassação.

Precisaríamos perguntar se Dilma, realmente, não tem mais condições de governar. Antes, seria o caso de perguntarmos se Dilma é uma daquelas pessoas que, tal como Joaquim Roriz, José Roberto Arruda, Renan Calheiros, José Genuino e outros, é capaz de renunciar para fugir de uma cassação.

Mas nossa história registra caso de renúncia por outros motivos, como o das “forças ocultas” apregoadas por Jânio Quadros. Na próxima quinta-feira, dia 25, estarão se completando 55 anos da renúncia de Jânio à presidência da República. Seu mandato durou apenas sete meses.

Na época de Jânio ainda não era usada a expressão “conjunto da obra”, para se avaliar o desempenho de um político. Caso a expressão já estivesse sendo usada, Jânio teria sido considerado detentor de um extravagante conjunto da obra. No curto período em que ele exerceu a presidência, fez interessantes estrepolias: lançou a moda do safari no vestuário, proibiu o biquini, proibiu as brigas de galo, inventou a governança por meio de bilhetes e montou o cenário apropriado para um golpe de Estado. Este veio a acontecer três anos depois.

No dia 19 de agosto de 1961, Jânio condecorou Che Guevara que visitava o Brasil. Seis dias depois renunciou. Mas ainda hoje se questiona se ele de fato estava querendo deixar o poder ou se pretendia adquirir mais poder, retornando nos braços do povo.

No momento em que o presidente interino está, esperançoso, querendo arrumar as malas para uma viagem à China, fica difícil não fazermos comparações com o ano de 1961, quando João Goulart encontrou dificuldades para voltar da China.

Aquele que renuncia cuida apenas, na maioria dos casos, de salvar a própria pele, pouco se importando com as consequências a serem vividas pela comunidade. Assim aconteceu com Jânio e com outros renunciantes da História do Brasil.

Hoje os tempos são outros: a expressão “conjunto da obra” está na moda. Muitos já disseram que será feita uma comparação entre o conjunto da obra de Dilma e o conjunto da obra de Temer.

Em 2007 o compositor Ennio Morricone recebeu um Oscar pelo conjunto da obra.  Na Bienal de Veneza de 1961, Krajcberg foi premiado pelo conjunto da obra. Sei o que significa, em artes, a expressão “o conjunto da obra”. Eu mesmo já recebi homenagens por isso. Mas, e em política? A que se referem os políticos quando usam essa expressão tomada emprestada da comunidade artística?

Em 1964 Dilma, então com 17 aninhos, militava na Polop, resistindo ao golpe militar. Em 1964 Michel Temer, então com 24 aninhos, militava no staff do governador golpista Adhemar de Barros: Michel era oficial de gabinete do Secretário de Educação do governo Adhemar. Será que esses fatos referentes às “obras de juventude” são considerados pelos políticos quando falam do “conjunto da obra”?

Voltando à proposta de renúncia de Dilma, devo confessar que considero ridículos e patéticos os comentários que tratam de prever ou aconselhar possíveis “saídas para a Dilma”. Uns dizem: “a melhor saída para Dilma é a renúncia”. Os que falam em “a boa saída para Dilma” revelam um amor e uma admiração pessoal pela presidenta, mas ao mesmo tempo um espírito golpista, porque entendem que ela, apesar de não ter cometido nenhum crime, deve sair da presidência. Demonstram preocupação com a mulher e guerreira Dilma, como se ela estivesse preocupada com uma “saída digna” para ela. Errado. Dilma não está preocupada com Dilma. Dilma não está preocupada com uma boa saída para Dilma. Entendo que a magnanimidade e a altivez dela a fazem bem mais preocupada com o Brasil e nosso futuro democrático do que com ela própria.