UnB, governo, Maquiavel e astúcia
Opinião, Correio Brasiliense,
Sábado, 17 de Abril de 2010
Jorge Antunes
Professor Titular da Universidade de Brasilia – UNB
O príncipe não pode ser odiado. Esse foi o ensinamento de Maquiavel, para o qual o bom governo é encarnado na figura do príncipe virtuoso. O príncipe precisa ter virtù para manter-se no poder, mesmo que para isso deva usar a astúcia.
Sabendo que os governados sentem ódio quando algumas medidas os fazem perder algum bem, as táticas maquiavelianas propõem medidas que toquem os egos. São medidas que nada trazem de proveito ao grupo: são atitudes bajuladoras.
Lula tocou os egos dos professores da UnB usando de astúcia admirável. O presidente cumpriu à risca o roteiro traçado pelos estrategistas maquiavélicos do governo que ele pensa liderar: mandou os subalternos cumprirem a decisão da Justiça. Chamou Paulo Bernardo, seu ministro do Planejamento, e outros sempre solícitos ajudantes. Determinou, então, que todos deverão se ater ao que está escrito na decisão da ministra Carmen Lúcia, sem fazer interpretações de qualquer natureza.
“Vamos atender ao parecer da ministra até a decisão final do STF” — declarou o presidente. Os cerca de 200 manifestantes que estavam no CCBB fizeram festa ao receber a notícia. Eu não estava lá, por isso não sei quais brados efusivos foram entoados. Talvez, “Viva Lula!”
Em época pré-eleitoral, em que o grande objetivo do sistema é o continuísmo, estratagemas de todo tipo são elaborados e implementados. No momento em que a comunidade universitária da UnB deveria estar revoltada com o congelamento dos salários e lutar por condições decentes de ensino e pesquisa, a tática maquiavélica teria que buscar ação substitutiva: a luta da comunidade contra a redução salarial. Para tanto, a tática recomendável era a intimidação.
Especialistas na arte da negociação e em conflict management, tais como Roger Fisher e Bill Ury têm, também inspirados em Maquiavel, preconizado táticas para o sucesso de relações. Entre elas, são admitidas algumas que ferem a ética: a ameaça, o ataque e a intimidação.
Os mestres em administração de conflitos ensinam: o ataque é a pressão exercida sobre a outra parte para intimidá-la. Nessa tática, utilizam-se ameaças, sarcasmo, ironia e ofensas pessoais. A primeira parte do processo foi magistralmente implementada pelo ministro do Planejamento que acusou os professores de enriquecimento ilícito.
O conceituado consultor de marketing João Baptista Vilhena explica outra tática, o drible, da seguinte forma: o drible consiste em insistir que queremos determinada coisa quando o que nos interessa é outra. A tática mocinho-bandido é também importante: o negociador trabalha em dupla, um fazendo o papel de bonzinho e o outro o de mau. O ministro foi o mau. Lula é o bonzinho.
Aristóteles e Platão já haviam estudado esses métodos, condenando-os. A ética hoje vem sendo desbragadamente desafiada. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis são hoje, infelizmente, métodos comumente usados para conquistar e manter o poder.
O caso da UnB é exemplar. A sociedade sofre com isso. Mais de um mês de greve é o preço a ser pago para que a tática do príncipe de alta aceitação popular tenha sucesso, entorpecendo a comunidade universitária de modo a afastá-la da luta transformadora. Avança forte a estratégia que objetiva o desprestígio do magistério superior e o enfraquecimento da pesquisa científica para que a academia brasileira seja mera formadora de mão de obra e consumidora de tecnologia importada.