Na casa de Gilberto Gil

29/08/2006 – JORNAL DE BRASÍLIA
Opinião – Jorge Antunes
(matéria retirada da Internet)

 

Jorge Antunes
maestro e compositor

 

Ficou tudo acertado. A reunião aconteceu no apartamento do cantor e compositor Gilberto Gil. Era noite de quarta-feira, 1º de maio de 2002, Dia Mundial do Trabalho. Lá estavam o então candidato Lula, a Flora, o Chico Buarque, Caetano, Paula Lavigne, Djavan, Wagner Tiso, o rapper MV Bill e o empresário Celso Athayde. Luiz Inácio Lula da Silva queria apoio de artistas para a elaboração de projeto para a área de cultura do PT. Propunha uma “aliança cultural, política e econômica”.

A reuniãozinha era indício do futuro desastre. Ela servia apenas para dar um empurrão nas pretensões do futuro ministro bufão de um presidente truão. Servia também para marcar o formato e o conteúdo vazio que iriam enfeitar as ruas de Paris nas mamatas empresário-estatais do Ano do Brasil na França.

A política cultural do governo Lula foi uma hecatombe. Um programa para a área cultural foi estabelecido, de última hora, em fins de 2002, às vésperas das eleições. No documento alguns pontos indicavam simples promessas de se contemplar velhos anseios da comunidade cultural brasileira. Hoje se confirmam minhas certezas de janeiro de 2003: tudo não passava de letra morta no papel, fruto de incansável trabalho dos hoje desiludidos membros da Comissão de Cultura da Frente Popular. O programa cultural pré-eleitoral de Lula era vago e cheio de frases de efeito: novos mecanismos de financiamento, distribuição justa de recursos, reforma do Ministério da Cultura etc.

O pacto feito na casa de Gil, em 2002, foi integralmente cumprido: estabeleceu-se a prática da monocultura, em que somente a arte comercial tem apoio e espaços. A política cultural da monocultura bem se afina com aquela política do monopartido que vigora na falsa polarização PSDB-PT. Os governos pró-imperialistas que querem se perpetuar no poder têm consciência da ameaça que a Cultura e a Educação podem impor a seus objetivos. Para eles são perigosíssimos o livro, a leitura, a alfabetização, assim como a arte livre e revolucionária. A privatização do apoio à cultura é o caminho para a concretização desse pensamento: os empresários e os banqueiros passam, por meio das leis de incentivo fiscal, a ter o poder de escolha, seleção e censura de projetos culturais.

A democratização da cultura, em seus aspectos de produção e fruição, nunca se concretizará se a deixarmos à mercê do mercado. Não são os empresários e o público consumidor que hão de sustentar a nova e revolucionária produção artística, porque o retorno desse tipo de arte é de longo prazo. O neoliberalismo entrega todas as rédeas de nosso futuro à iniciativa privada. Ao bandido são entregues o ouro, o lucro, a segurança nacional, o poder decisório, o controle da informação e da comunicação e também o recriado poder de censura. A Lei do Mecenato, nos moldes em que vem sendo implementada, nada mais faz do que privatizar o apoio à cultura.

Passaram-se os quatro anos tão sofridos para a classe artística brasileira. Em 2006, faltando um mês para a votação, apenas a Frente de Esquerda, liderada por Heloísa Helena, apresenta uma proposta clara de política cultural. Lula, Eimael, Cristovam, Piva e Alckmin são totalmente omissos com relação a esta área que precisa ser tratada como questão estratégica: a Cultura. Os candidatos à presidência precisam se conscientizar de que a cultura e as artes, melhor do que o comércio, a indústria e as Forças Armadas, provocam a admiração e o respeito internacional. É justamente a intensidade do apoio às artes brasileiras que irá determinar, em termos políticos para o Brasil, a opção entre hegemonia, aliança ou submissão.

A política de difusão da arte e da cultura deve estar voltada à diversidade social do público. A boa política cultural será aquela em que brincantes de maracatu e de bumba-meu-boi, bonequeiros, atores, músicos, cineastas, escritores, compositores de sinfonias e óperas, repentistas, compositores de música popular, profissionais da dança, bandas, cordelistas, orquestras, artistas plásticos, fotógrafos, artistas circenses, grupos de rock, chorinho, pagode, samba, funk e hip-hop terão condições e espaços ideais para suas manifestações artísticas.

Esperemos que novas reuniões na casa de Gil não dêem continuidade ao projeto de um Ministério da Cultura do tipo casa-da-mãe-joana, onde quem manda são os cineastas-industriais que gritam e esperneiam na imprensa, amedrontando o Planalto, com o aval de músicos filhos-do-jabá, mancomunados com as multinacionais do disco.