Willy serve à mediocridade – fim
Folha de S.Paulo
Domingo, 24 de junho de 1984 – ILUSTRADA – 6º caderno – página 55
Jorge Antunes
Os conflitos ideológico-composicionais manifestados na última fase de Cornelius Cardew encontraram ressonância nas inquietações estéticas e sociais de Willy Corrêa de Oliveira. Este proeminente e fecundo músico e intelectual proprietário de um cérebro maior ainda, implodiu seu banco de dados no momento em que começou a soltar semânticas, sintaxes e semióticas “pelo ladrão”. A aflição com a injustiça social de seu povo falou mais alto e foi inevitável a troca de armas e trincheiras: abandonou as comunidades dos “músico-musicólogos” e se embrenhou nas “comunidades de base”.O apelo ao tonal e, mais grave que isso, o abandono do exercício da livre invenção musical, descambam inevitavelmente para a mediocridade. O caminho do banal estará sempre sendo trilhado por aquele que trocar a atividade de compositor por aquela outra, menor, de simples “letrista” de melodias simples e famosas, adaptando textos panfletários a paráfrases e paródias sem a menor preocupação artística.
Defendo veementemente o uso dos centros tonais, porque eles são ferramentas que permitem a comunicação efetiva da obra musical. Eles serão os elementos básicos da nova linguagem musical do compositor de tendências libertárias e ecológicas. Mas a nova sintaxe dos novos sons aliados a esses centros tonais não pode ser confundida com um eventual neotonalismo. As únicas leis que devem ser obedecidas são as leis naturais, desvendadas pela série harmônica. A “teoria cromofônica” demonstra que os mistérios da harmonia universal estão nos campos unificados e equilibrados das “cores complementares” e em seus correspondentes sonoros: a “oitava justa” e a “quinta justa”.
Esses intervalos e essa “harmonia” estão na natureza e, portanto, no homem. Passemos a voz humana no analisador de harmônicos e lá encontremos essa “harmonia”. Analisemos eletronicamente a batida do coração humano, o “ruído” da corrente sanguínea e as ondas cerebrais e constataremos o mesmo mistério discreto, quantificado, “harmônico” e revelador. Àqueles que quiserem se iniciar, não aconselhamos ouvir ou ler Cage, Webern, Stockhausen, Willy, Nono, Zobl ou Schnebel. Aconselhamos, sim, ler Pitágoras, Helmoltz, Rudolf Koenig, Errico Malatesta, Kropotkin, Bakunin e Proudhon. Um “viva” enérgico à desobediência total às leis não naturais! Abaixo as leis de Fux e as de Vincent d’Indy¡ Abaixo as leis de Paulo Silva! Abaixo a Lei de Segurança Nacional! Abaixo as leis de Hindemith! Abaixo a Constituição remendada! Abaixo as leis de Schoenberg e as de Boulez! Abaixo a lei da oferta e da procura! Viva a Série de Fourier!
Mas triste também é a confusão e a adesão desvirtuada que adota a sintaxe clássica dos elementos da Série Harmônica, de modo realmente neotonal, dando lugar a novos mozarts, novos bachs e novos beethovens, epígonos do saudosismo e da picaretagem.
Platão já pressentira a verdade: a música é subversão. Ela, para ser útil, para servir à humanidade, não ameaçará esta ou aquela ordem política, mas ameaçará o âmago do processo político, subvertendo consciências, conscientizando. Não há que sonhar em pegar em armas, porque o compositor hoje há de ser o pacifista que transforma, pacientemente, mentalidades. Ele há de fazer política, até mesmo partidária, em sua música e em sua vida privada de cidadão.
É hora de não mais se temer a “patrulha estético-ideológica” que condena a “arte-panfletária” e de se dar início ao desenvolvimento de uma arte de compor “panfletos-artísticos”. Nessa arte a crítica pungente e a mensagem política devem ser usadas com uma linguagem direta, com a consciência de que a música pura, o acorde perfeito maior isolado ou o agregado de sons de um naipe de cordas realmente nunca farão mudanças na sociedade. O compositor de hoje, portanto, deverá estar constantemente presente não só no palco, mas também no palanque, escrevendo sons e palavras, inventando e divulgando idéias musicais e extra-musicais simultaneamente, mas criando obras artísticas e combatendo aqueles que, acreditando na existência de uma grande “burrice” da massa popular, praticam e pregam a mediocridade como o meio eficaz de comunicação.